A Falta de Pagamento de Horas Extras e a Possibilidade de Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho
Rescisão Indireta: remédio trabalhista, pouco usado, contra empregador que deixa, reiteradamente, de observar deveres legais e contratuais na relação de emprego, a qual é pautada, essencialmente pela confiança e cumprimento recíproco de obrigações.
A relação empregatícia é fundada no princípio da boa-fé e no cumprimento recíproco das obrigações legais e contratuais. Quando o empregador reiteradamente descumpre deveres fundamentais, especialmente o pagamento de horas extras devidas, abre-se ao empregado a possibilidade de pleitear a rescisão indireta do contrato de trabalho, prevista no artigo 483, alínea "d", da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Tal instrumento funciona como uma espécie de "justa causa do empregador", permitindo que o trabalhador se desligue do vínculo laboral sem prejuízo dos direitos rescisórios que seriam devidos em uma dispensa sem justa causa.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem reafirmado esse entendimento. Em decisão recente (RR com Agravo nº 1000642-07.2023.5.02.0086), a Corte concluiu que o descumprimento reiterado das obrigações contratuais, como a ausência de pagamento de horas extras e a não concessão do intervalo intrajornada, justifica a rescisão indireta do contrato, nos termos do artigo 483, “d”, da CLT (CONJUR, 2025).
Não se trata de uma interpretação nova. Doutrinadores como Mauricio Godinho Delgado (2021) defendem que a violação reiterada dos direitos trabalhistas essenciais compromete a continuidade do vínculo empregatício, ao tornar a prestação de serviços insustentável sob a ótica jurídica e moral. Sérgio Pinto Martins (2024) também destaca que o não pagamento de horas extras, quando habitual, demonstra descaso contratual grave por parte do empregador, rompendo o equilíbrio necessário à relação de emprego.
Do ponto de vista constitucional, a Carta Magna de 1988, em seu artigo 7º, inciso XVI, assegura expressamente o direito à remuneração do trabalho extraordinário com, no mínimo, 50% de acréscimo sobre a hora normal. Tal previsão possui natureza de norma de ordem pública e não pode ser afastada nem por acordo individual ou coletivo.
É importante destacar que o reconhecimento da rescisão indireta demanda prova robusta do trabalhador. Documentos como controles de ponto, recibos de pagamento, comunicações internas e testemunhas são essenciais para comprovar o descumprimento contratual reiterado. Também é recomendável que o pedido de rescisão seja formalizado por meio de notificação extrajudicial ou judicial, com orientação jurídica, evitando-se alegações de abandono de emprego.
A jurisprudência, a doutrina e a própria legislação convergem no sentido de que a habitualidade no descumprimento de obrigações salariais, como o pagamento de horas extras, não pode ser tolerada nem banalizada. Trata-se de violação direta à dignidade do trabalhador e aos fundamentos do Direito do Trabalho, que impõem o respeito à função social do contrato e à valorização da pessoa humana.
Referências:
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 1 jun. 2025.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 1 jun. 2025.
CONJUR – CONSULTOR JURÍDICO. Há rescisão indireta pela ausência de pagamento de horas extras. 22 maio 2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-mai-22/ha-rescisao-indireta-pela-ausencia-de-pagamento-de-horas-extras. Acesso em: 1 jun. 2025.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 20. ed. São Paulo: LTr, 2021.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 42. ed. São Paulo: Atlas, 2024.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.